Grupo de senhoras da Pastoral Carcerária em Olinda (PE) se mobiliza durante a pandemia em uma rede de solidariedade para “dar de comer a quem tem fome”
fonte: revista Cidade Nova, edição abril/2023
por Gustavo Monteiro
Faltava pouco para que o grupo da Pastoral Carcerária do qual faz parte Fátima Lima, 68 anos, completasse 25 anos quando o mundo inteiro prendeu a respiração diante de um acontecimento: o início da pandemia de Co- vid-19.
Diferentemente das demais pastorais do tipo, o grupo de dona Fátima, em Olinda, tinha um diferencial: o cuidado e a assistência às famílias dos encarcerados.
Desde a fundação, conta Lima (que é também membro do Movimento dos Focolares), muitas foram as experiências de cuidado e amor concreto.
Por meio do acolhimento às famílias no salão paroquial da igreja, toda semana, o grupo liderado pela Fátima Lima já tinha conseguido ajudar na reinserção social de alguns jovens após o cumprimento do período na prisão. Mas a experiência mais marcante, no entanto, começou justamente ali, quando a população do Brasil inteiro (e de tantos outros países do mundo) experimentou também a sensação de ficar “encarcerada”.
“Com a pandemia, todo mundo parou as atividades e ficou trancado em casa. A gente pensou como é que iria dar continuidade ao trabalho; será que a gente teria que parar também?”
Surgiu então o desejo de distribuir uma cesta básica por família a cada mês. “Mas essa era uma ideia tão difícil de concretizar que nem eu mesma acreditei”, diz Lima, ao lembrar que não havia recursos disponíveis para comprar todas as cestas básicas e, sobretudo, não existiam meios para o transporte e a entrega dos materiais. Além disso, todas as que formavam a equipe da pastoral eram senhoras acima dos 65 anos. A surpresa é perceber que “depois dessa experiência, existe um antes e depois para a pastoral. Tudo o que eu não acreditava se realizou”.
A MULTIPLICAÇÃO DOS PIX
Sem poder sair de casa ou se encontrar presencialmente, o grupo organizou uma campanha de arrecadação de fundos. Anteriormente, uma vez por mês, elas costumavam preparar uma cesta básica reforçada e a sorteavam para uma família que participava das reuniões da pastoral. Na pandemia, o desafio inicial era conseguir recursos para a produção de uma cesta por família. Como as doações se multiplicaram, o desafio passou a ser a compra dos itens da cesta, como organizar as doações e entregar para as famílias.
“Como somos idosas, houve muita reclamação. A nossa própria família ficou bem preocupada”, conta Lima.
Outra senhora integrante do grupo costumava fazer as compras junto com o filho, que dirigia para elas. “30 cestas básicas, você não traz de qualquer jeito; então a gente teve muito apoio também”. Aos poucos, o número de beneficiados cresceu e elas passaram a atender 45 famílias.
“A gente fazia uma cesta boa, não era uma coisa limitada. No período mais crítico da pandemia, tinha inclusive um kit de higiene pessoal. Quanto mais dávamos, mais chegavam doações. E quanto mais distribuíamos, mais aparecia gente precisando. No fim, deu para todo mundo que precisou durante os dois anos mais críticos. Para mim, foi um milagre de Deus, Ele colocou a mão ali. Nós só fizemos a nossa parte de não cruzar os braços, corremos atrás e as coisas aconteceram.”
Para Fátima Lima, outro milagre foi o fato de nenhuma das quatro senhoras mais envolvidas na ação ter contraído o vírus. Elas costumavam usar roupas de proteção e todos os adereços necessários, além de cumprir procedimentos sanitários adequados. “Na ativa, éramos quatro, sendo uma delas com mais de 80 anos, que não descia do carro, mas estava presente sempre que a gente distribuía as cestas.”
Um dia, uma empresa passou a doar refeições prontas em um número maior do que aquilo que poderia servir às famílias. Em um dia só, foram doadas 300 quentinhas, e foi assim que elas passaram, também, a distribuir refeições para as pessoas em situação de rua.
“Nunca me imaginei fazendo aquilo”, conta Lima.
POPULAÇÃO CARCERÁRIA E O TRABALHO PASTORAL
“Além de serem muitas vezes pessoas carentes, os encarcerados são excluídos da sociedade. Ninguém quer ter nenhum contato com eles”, afirma nossa protagonista. De acordo com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), existem hoje 661.915 brasileiros detidos em celas e outros 175.528 em prisão domiciliar. Quando se trata da população carcerária feminina, o Brasil é o terceiro país do mundo em número de mulheres e meninas presas, um total de 42.694.
Com o lema “Estive preso e vieste me visitar” (Mt 25,36), a Pastoral Carcerária, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), procura auxiliar no atendimento religioso às pessoas encarceradas e promover um serviço de escuta e acolhimento. É uma contribuição para o processo de iniciação à vida cristã e para a vivência dos sacramentos, além da promoção humana.
Todo o trabalho na Pastoral Carcerária, para Fátima Lima e suas amigas, é feito de maneira voluntária, sem nenhuma outra recompensa além de servir ao próximo. “Isso faz bem demais pra o mundo e pra você mesmo.”