ContrEconomia / 4 - A biodiversidade é uma lei fundamental também nas empresas e na consultoria.
Luigino Bruni
Original italiano publicado em Avvenire em 26/03/2023
"Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens libertam-se em comunhão."
Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido.
Com a genética podemos aprender lições valiosas para a vida das nossas organizações e comunidades (mesmo naquelas com motivação ideal) e aprender como se resolvem verdadeiramente os conflitos.
A biodiversidade é uma lei fundamental da vida, portanto, também da vida económica, das empresas, da consultoria. Fundamental em todas as áreas, a biodiversidade torna-se verdadeiramente decisiva quando entramos no mundo das Organizações com Motivação Ideal (OMI’s), ou seja, aquelas realidades nascidas das nossas maiores paixões, aquelas que agregam os nossos sonhos coletivos. Em muitos aspetos, estas assemelham-se a todas as outras realidades humanas, mas noutras dimensões fundamentais são diferentes, por vezes muito diferentes.
Uma premissa. A ciência descobriu que a espécie humana partilha quase todo o seu material genético (cerca de 98%) com outros primatas superiores, mas o nosso também está organizado de forma diferente. A organização depende dos genes e da forma como se expressam, das mutações, dos "rearranjos" cromossómicos. Nesta perspetiva, somos quase iguais aos chimpanzés, mas é nesse "quase" que muitas das coisas essenciais se concentram para entender o que realmente é o homo sapiens, para entender a cultura, a linguagem, as relações, a consciência, as ideologias, a fé. O 1 ou 2% nestes fenómenos são números muito grandes, quase infinitos. Porque a biodiversidade entre espécies e intra espécies depende sobretudo da forma como as mesmas letras do alfabeto (isto é, o ADN) são combinadas em palavras (os genes) que, juntamente com os espaços vazios entre uma palavra e outra, se tornam frases (os cromossomas) com as quais se compõe a fala de cada ser vivo, em contínua evolução. A epigenética, então, ensina-nos que muitas mudanças dos seres vivos se devem à interação do genoma com o ambiente que causa uma expressão diferente dos genes do organismo sem modificar as sequências de ADN – talvez Lamarck com o seu "pescoço da girafa" estivesse mais certo do que os meus professores de ciências pensavam.
Usando esta poderosa metáfora genética (que deve ser tomada como tal), as muitas organizações humanas também partilham quase todo o seu ADN. No entanto, se aqueles que estudam as organizações se limitassem à análise da sequência genética organizacional, chegariam à conclusão de que as organizações humanas são (quase) todas iguais. Mas, também aqui, as diferenças que realmente importam não são encontradas tanto na sequência do ADN – ou seja, nos organogramas, nos fluxogramas, nas job description, na governança formal, na subdivisão em unidades, escritórios, tarefas. Porque visto desta perspetiva "genética", as organizações são realmente muito semelhantes, não vemos a vida, mas apenas os seus vestígios, não compreendemos aquelas diversidades que, porém, deveríamos identificar – somos muito mais complexos do que o nosso código e programa genético.
Tudo isto é válido para toda a realidade humana individual e coletiva, mas é decisivo em instituições com séculos de história, que nasceram de fundadores depositários de um carisma, de ideais, de motivações diferentes das do «business as usual». Entende-se, então, que o primeiro erro a evitar quando um consultor aborda estas realidades, todas iguais e todas diferentes, é evidente: não ficar pela análise do ADN, mesmo quando tem ferramentas e técnicas muito avançadas, se não quiser confundir humanos e macacos. Quando se entra no mundo das OMI a biodiversidade aumenta muito: têm uma história geralmente muito longa (a duração dos processos aumenta as variantes), têm a ver com um carisma único e irrepetível, sofreram muitas "replicações" e "mutações" no tempo e no espaço. Os bons processos de consultoria e ajuda são, portanto, longos, difíceis e delicados, e dividem-se em algumas fases necessárias.
A primeira: Auscultação. A subsidiariedade organizacional, que é sempre essencial, aqui é vital. É necessária uma profunda auscultação de problemas, projetos e sonhos, para tentar descobrir a solução que quase sempre já está inscrita naquela história e naquelas pessoas. Por isso, devemos desconfiar muito das empresas de consultoria que iniciam esta primeira fase – a mais delicada – enviando algum recém-contratado equipado com questionários e modelos abstratos, que deveriam chegar a um diagnóstico da criticidade em uma ou duas semanas. Aqui, a regra de ouro geral – para compreender um problema é preciso ouvir todas as pessoas envolvidas – nas OMI é um passo vital. A lógica bíblica do "último" é a única boa. Na Bíblia, as soluções para muitos episódios cruciais da história da salvação vêm, de facto, dos "descartados" pelos organogramas, dos excluídos das sequências formais dos "genomas" comunitários. David é procurado e encontrado pelo profeta Samuel nos campos, fora do círculo dos irmãos selecionados por seu pai; Jacob e Abel eram segundos filhos, e na linha de transmissão da promessa que vem de Adão a Maria encontramos adultérios e incestos, portanto filhos-herdeiros nascidos onde não deveriam ter nascido. E, em geral, a salvação não vem dos grandes e dos poderosos, mas do "pequeno resto". Portanto, seguir essa lógica significa levar muito a sério as palavras dos "pequenos", dedicar tempo às informações que provêm das periferias organizacionais (portaria, pessoal de limpeza, estafetas...). Algo de necessário também na regra de São Bento: «Dissemos para consultar toda a comunidade, porque muitas vezes é precisamente ao mais jovem que o Senhor revela a melhor solução» (cap. III).
A segunda fase: Mutações. As diferenças mais importantes entre organismos devem-se, frequentemente, a mutações geradas por erros na replicação das sequências genéticas. Se quem se aproxima de uma comunidade tem uma ideia de "saúde" ou de normalidade, trata as mutações como erros a corrigir para se alinhar com o modelo abstrato e, inevitavelmente, acabam por confundir saúde com doença, porque nesses "erros de replicação" podem esconder-se as palavras daquele carisma, daquela história, daquelas pessoas com "vocações" diferentes. Isto não significa dizer que nas OMI e nas comunidades carismáticas todo o erro/mutação seja sempre evolutivamente positivo. Há recessões também aqui, e às vezes até são graves, mas é necessário saber identificá-las e não chamar patologia a toda e qualquer variação do paradigma dominante. Até porque não devemos esquecer uma característica decisiva da cultura empresarial geralmente induzida pela grande consultoria: o isomorfismo, ou seja, o nivelamento da diversidade e a padronização das formas organizacionais. E como acontece sempre que se afirma um paradigma dominante, as dissonâncias do paradigma são chamadas de "anomalias" e depois expulsas – até que as anomalias se tornam demasiadas e o paradigma entre em crise (T. Kuhn). Os métodos e protocolos da consultoria podem facilmente tornar-se um "leito de Procusto" que corta todos os "pés" que não cabem nas medidas fixas estabelecidas pelo paradigma. E, em geral, o que é amputado em tais operações é precisamente aquele 1 ou 2% de diversidade, onde se concentram quase sempre a herança ideal, as palavras diferentes, as escolhas proféticas de ontem e, às vezes, as de hoje. Os amantes dos paradigmas adoram as médias e as medianas, e temem os picos e os extremos, que, no entanto, são essenciais nos carismas e nos ideais.
Terceira fase: Os vazios. Na construção das frases, não são só as letras que contam, nem mesmo as simples palavras, nem apenas os verbos. Tal como nas sequências de ADN celular, os genomas organizacionais e comunitários também contam os vazios, os traços não ativados, os espaços brancos entre uma letra e outra. Nas histórias e nas realidades ideais e espirituais, as não-escolhas, as não-palavras, as não-vitórias, os não-factos são muito importantes. As frases mais importantes devem ser lidas a partir dos seus vazios, como acontece nas nossas relações importantes onde as palavras realmente decisivas são quase sempre aquelas que não nos dissemos, como nos poemas que não se escrevem nem se compreendem sem os silêncios, como a música que não existe sem pausas, mesmo as passagens mais bonitas dos nossos discursos comunitários são aquelas interrompidas por nós na garganta, por línguas mordidas para não dizer aquelas palavras que gostaríamos de ter dito, por vezes, deveríamos ter dito. Estes vazios, decisivos, não são facilmente vistos pelos analistas dos ADN, não estão registados nas suas folhas. Assim, uma palavra é confundida com outra palavra, tornando-se outra coisa. Os discursos invertem-se, perdemos o fio das frases e da vida.
Quarta fase: Desperdício. Outra lei da vida é o desperdício. O Semeador do Evangelho lança a sua semente mesmo em lugares improváveis, espinhos e pedras, porque está interessado em que uma parte atinja a boa terra, e então, às vezes, ele surpreende-se ao ver que a semente também brota entre os espinhos. Muitas culturas da consultoria têm como objetivo uma maior eficiência, a racionalização de processos, a otimização dos procedimentos. Operações que em 98% são boas, mas muitas vezes caem na armadilha do 2%. Porque alguns segredos e mistérios das OMI são compreendidos se deixarmos a lógica da eficiência e abraçarmos a do desperdício, se formos capazes de perder tempo em relações improdutivas, mas necessárias para não perdermos a alma, se investirmos energias em lugares que sabemos que nunca produzirão; e depois, por vezes, talvez comovidos, ver regressar o pão desperdiçado: «Espalha o teu pão sobre a superfície das águas; passado muito tempo, achá-lo-ás de novo » (Qohélet 11, 1). De eficiência pode-se morrer, em qualquer lugar; nas realidades nascidas dos nossos ideais mais elevados a ideologia da eficiência não mata imediatamente, muda o organismo dia após dia e faz com que se torne outra coisa.
Finalmente, a última fase: O corpo-a-corpo. Quando, subsidiariamente, uma OMI pede ajuda à consultoria, deve temer, mais do que qualquer outra coisa, a externalização da gestão das relações e das emoções. As comunidades espirituais e ideais são feitas de relações. Mesmo quando se ocupam de educação ou de saúde, continuam a ser uma questão relacional, e nada funciona como deveria se as relações não estiverem no seu lugar, se as relações não forem mantidas limpas. Se, então, eu viver um conflito profundo com o meu responsável, isto pode levar-me a falar com dois, cinco consultores diferentes e, por vezes, talvez seja útil. Mas, mais cedo ou mais tarde, tenho de falar com ele, com ela, e se este momento nunca chegar porque está assoberbado pelas muitas consultorias, o conflito não se resolve, apenas é adiado por alguns meses ou semanas, e piora – os bons consultores podem captar os meus prantos e os meus gritos, mas eu não saio do meu/nosso buraco enquanto não chorar e gritar diante de ti e contigo, porque é a relação contigo que me magoa..
Os consultores são, em última análise, mediadores. A mediação é de duas grandes famílias: a dos mediadores que se colocam entre as partes, que as afastam para que não se toquem e se firam; e a dos mediadores que, pelo contrário, aproximam as partes distantes e, no fim, desaparecem para elas se tocarem (o ícone destes é o Crucificado). Na vida social e económica, são necessárias ambas as formas de mediação, mas as OMI extinguem-se se faltarem os segundos mediadores. Porque nestas diferentes organizações ninguém pode e deve evitar o corpo-a-corpo. Se isso acontecer, talvez ganhemos tempo e eficiência, mas empobrecemos severamente o capital espiritual essencial para viver e crescer. Aos poucos perdemos o "pequeno resto" da diferença, e um dia encontrar-nos-emos na mesma terrível mudança de Gregor Samsa, o protagonista de A Metamorfose de Kafka.
Termina aqui esta (emocionante) primeira parte de ContrEconomia. No próximo domingo, começamos a escrutinar a época da “Contrarreforma católica”, à procura de outras raízes do espírito da economia do nosso país (Itália) e da Europa.