Para identificar as testemunhas da fé, não devemos olhar para as virtudes heroicas, mas para as "bem-aventuranças heroicas" que expressam valores muito, muito diferentes.
por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Il Messaggero di Sant'Antonio em 03/12/2023
Qual é a ética econômica específica do cristianismo é uma questão antiga, já que é nos próprios evangelhos que encontramos o primeiro pluralismo. Na verdade, nunca foi fácil juntar o «ai dos ricos» de Lucas com a presença de pessoas ricas na comunidade de Jesus (Levi, José de Arimateia...), ou encontrar uma coerência entre a "parábola dos talentos" e a do "trabalhador da última hora" do evangelho de Mateus. O que é certo, porém, é a importante diferença entre a ética do Evangelho, que é essencialmente uma ética de ágape, e a ética das virtudes de origem grega e romana. Embora no decorrer da Idade Média a ética cristã tenha incorporado a ética das virtudes (ou vice-versa), fundando a estrutura civil e religiosa do cristianismo sobre as virtudes cardeais, é verdade, porém, que o humanismo subjacente ao mundo grego e romano não é nem o bíblico nem o evangélico, embora haja pontos de contato. A antiga ética das virtudes baseava-se na ideia de excelência (areté) em uma determinada esfera da vida (política, esporte/desporto etc.), uma excelência que pode ser alcançada por aqueles que praticam as virtudes com empenho e que gera como recompensa final a felicidade (eudaimonia), o objetivo final da vida, como ensinou Aristóteles.
O Evangelho tem outra ideia de excelência, e a sua felicidade (se quisermos chamá-la assim), além de ser muito diferente da grega, certamente não é o objetivo final do cristão. A excelência cristã é primar no amor-ágape, não nas virtudes. De fato, o contraste entre as virtudes e o ágape está precisamente no papel que os outros (seres humanos e criação) têm em função de si próprios. O limite da ética grega reside em centrar-se no indivíduo que procura melhorar o seu próprio caráter, tendendo para a perfeição moral. O Evangelho muda a perspectiva e diz: «Não pensar em si mesmo, pensar nos outros, descentralizar-se, e encontrar-se melhor sem se ter pensado nisso». Ele não propõe um processo ético de formação do caráter do indivíduol; é uma ética de comunhão, de reciprocidade, em que o "novo mandamento" é dirigido aos cristãos na segunda pessoa do plural: "amai-vos uns aos outros...". Se olharmos para os primeiros apóstolos, incluindo Paulo, encontraremos pecadores, traidores, impulsivos, temerosos, frágeis, de coração duro, em busca de poder, certamente não virtuosos. O que fez com que eles se tornassem mestres e testemunhas da fé foi a sua capacidade de amar, de se arrepender, de recomeçar sempre e de acreditar mais no amor de Deus do que em suas próprias virtudes. Sem mencionar o Antigo Testamento, onde os pais da fé são assassinos (Moisés e Davi/David), mentirosos (Jacó/Jacob) e assim por diante.
Tudo isto deve levar-nos a repensar até mesmo a ideia cristã e católica de santidade ou beatificação e os respetivos processos. Para identificar testemunhas da fé, deveríamos olhar não para as virtudes heroicas, mas para as "bem-aventuranças heroicas" que expressam valores muito, muito diferentes. Sem mencionar os milagres como prova de santidade, requisitos introduzidos na era moderna e da Contrarreforma, e que têm pouco a ver com o humanismo do Evangelho. Tive os melhores mestres da fé em pessoas com muitas imperfeições, defeitos, vícios, pecados, que, no entanto, eram capazes de amar, que nunca deixaram de seguir os passos de uma Voz, coxeando como Jacó/Jacob. A imperfeição deles foi a fenda espiritual pela qual um sopro do Espírito pôde penetrar, mudando a minha vida, não a tornando perfeita, mas apenas mais amada, colocando dentro de mim o desejo de tentar mudar a economia dos outros e dos mais pobres. A nossa felicidade pessoal, para o Evangelho, significa muito pouco.
Créditos foto: © Giuliano Dinon / Arquivo MSA