Uma das grandes inovações introduzidas no século XX pelo capitalismo no estilo norte-americano foi a soberania do consumidor. Hoje, no entanto, o consumo está mudando de natureza, porque o mercado mudou.
por Luigino Bruni
Original italiano publicado em Il Messaggero di Sant'Antonio em 01/10/2023
Há um aspecto da nossa sociedade capitalista que ainda não foi suficientemente discutido pelos economistas e filósofos. Refiro-me à absolutização da categoria de consumidor. Uma das grandes inovações introduzidas no século XX pelo capitalismo no estilo norte-americano foi a soberania do consumidor. O consumo nos mercados, o consumir, foi visto como uma forma de liberdade dos modernos, criando novas oportunidades e novas igualdades: mesmo que eu seja um trabalhador, mesmo que eu não tenha estudado, mesmo que eu não seja de uma boa família, mesmo que eu não faça parte da elite, quando entro em uma loja com dinheiro, posso comprar o mesmo carro que os mais abastados. No momento da compra sinto-me igual aos chefes e aos ricos, não me sinto em segundo lugar. Essa primeira época de consumo em massa foi um passo importante para a democracia, primeiro no Ocidente e depois em todo o mundo (hoje esses fenômenos são especialmente importantes na África e na Ásia). O dinheiro nem tem cheiro de classe social: posso não saber falar de forma elegante e refinada, sou filho de camponeses, mas quando vou à sua loja, tem de me tratar com a mesma dignidade com que trata os mais abastados.
Hoje, o consumo está mudando de natureza, porque o mercado está mudando ( já mudou). A globalização, primeiro, e as redes sociais, depois (com as multinacionais com fins lucrativos que as gerenciam, não o esqueçamos), fizeram do paradigma do consumo o novo paradigma da democracia.
De fato, o consumo de mercado tem poucas regras claras e simples:
1. O consumidor é o único que pode decidir sobre suas preferências e gostos;
2. Se eu gosto de um bem ou serviço, eu compro-o, se não gosto, não o compro;
3. No mundo das coisas, uma vez que estamos dentro (com poder de compra ou com dívidas), somos todos iguais, não há hierarquias de qualquer tipo;
4. Nada me pode ser imposto, no mercado, sem o meu consentimento.
O «like/gosto» das redes sociais foi retirado diretamente do mundo do consumo, onde só é válido o que o indivíduo gosta ou não gosta. Portanto, ninguém me pode impor, de fora ou do alto, escolhas e bens de que eu não goste, que eu não tenha decidido livremente comprar ou não comprar. Tanto é assim que um axioma da teoria econômica liberal (a chamada Public Choice) diz que o mercado não age por maioria (como na política), mas por unanimidade, visto que se baseia no contrato, cuja lógica exige o consentimento de todos os participantes na troca (Buchanan e Tallock).
Até onde pode ir este raciocínio? Se o consumidor se tornar o novo cidadão global, a questão é a seguinte:
1. Esses consumidores-cidadãos poderão aceitar fazer coisas de que não gostam?
2. Serão capazes de aceitar, por exemplo, leis das quais não gostam, sofrer as consequências mesmo quando não gostam delas?
3. Aceitarão a coerção da autoridade ou estamos formando novos cidadãos que só vão querer pagar as multas que quiserem, que só irão para a cadeia se concordarem?
Até hoje (ou até ontem), as leis e as sanções eram decididas democraticamente, ou seja, pela maioria dos cidadãos e com garantias para as minorias, mas as leis em vigor não exigem o "gosto" de todos os cidadãos, muito menos daqueles que têm de as cumprir. A grande questão, então, é: a democracia sobreviverá ao pós-capitalismo consumista do século XXI?
Créditos foto: © Giuliano Dinon / Arquivo MSA