A pandemia aumentou a desigualdade, empobrecendo as classes médias baixas e enriquecendo alguns poucos. Luigino Bruni propõe uma tributação adequada dos "lucros extras" e sua redistribuição. O risco hoje é prejudicar as gerações futuras e, ao mesmo tempo, ameaçar a democracia.
publicado no site Sintesi Dialettica em 14/02/2022
"Já é evidente, depois destes dois anos de pandemia, que um dos efeitos mais significativos da pandemia, ao mesmo tempo e provavelmente também depois, aos aspectos sanitários, aos muitos mortos, demasiados mortos, é justamente o aumento das desigualdades, porque depois de grandes crises as desigualdades aumentam. Aprendemos isso com as guerras... com as guerras mundiais, mas também com as guerras atuais, porque as consequências das guerras são pagas sobretudo pelos mais pobres.
De fato, nós vimos que os mais ricos estão ainda mais ricos depois desta pandemia ou durante esta pandemia. Basta pensar em todas as grandes empresas da logística, da internet, da "new economy". Portanto, as desigualdades aumentaram e isto é uma herança importante e grave da pandemia do ponto de vista socioeconômico.
E que o fazer?
Antes de tudo, os estados devem fortalecer os sistemas de "welfare" e dos bens públicos. Os bens públicos... ou seja, a saúde, os transportes, as escolas... as pensões, são as grandes riquezas dos mais pobres, porque são de acessos gratuitos, ou quase, a bens essenciais... e, portanto, quando um país em tempos de crise corta nos bens comuns, nos bens públicos, isso significa empobrecer ainda mais os pobres, porque os ricos podem ter bens privados, em todas as frentes.
Depois é preciso que o estado, e as instituições públicas se tornem protagonistas... no fundo esta crise mostrou um regresso de política, isto é, todos nos demos conta que sem política não se saía de uma crise pandêmica... a importância das instituições, de dar confiança e esperança às pessoas, e assim devemos continuar esta... nessa época de confiança na política e também na intervenção pública na economia, isto é, esta... onda, esta moda de 30 anos de neoliberalismo, que ridicularizou também as teses Kenizianas, que diziam essencialmente duas coisas: que quando existe crise de confiança, a intervenção monetária é ineficaz - as famosas expectativas negativas que... - tornam totalmente ineficazes as políticas monetárias..., ou quase, a armadilha da liquidez, como Keynes a chamava.
E depois... que para sair de crises estruturais o mercado não basta. São necessárias intervenções externas, como as do Estado, das instituições da Europa, no caso da Itália.
Devemos ter presente também que esta grande dívida púbica que aumentou em todo o mundo devido à pandemia, significa transferir os nossos problemas para o futuro, significa empobrecer os filhos e os netos, também porque de modo algum quisemos... (pelo menos na Itália, mas não só...) mexer nos impostos sobre o patrimônio, que teria sido uma forma para utilizar os recursos atuais dos mais ricos para pagar... os nossos problemas. Em vez disso, recorrer à divida pública significa: por um lado transferir para o futuro os nossos problemas, segundo, cobrar dos mais pobres essa dívida, porque claramente, a divida pública num amanhã se deverá ressarcir com a fiscalidade/tributos gerais, com os impostos de todos e quem paga os impostos, como sabemos, em proporção são a classe média e a mais baixa. Portanto, nós estamos transferindo os problema para o futuro. E isso, do ponto de vista ético, é extremamente grave, porque de um lado o índice demográfico mostra que estamos empobrecendo as crianças, isto é, não temos jovens e crianças suficientes, nem hoje nem amanhã, e aos poucos que temos estamos endividando, portanto esse é um duplo problema.
Para concluir, devemos ter presente que... depois das grandes guerras, às empresas que tinham enriquecido, que ganharam muito com as guerras, respondeu-se com... também, pedindo a estas empresas... - pensemos nas empresas de armas... de toda a história da primeira e segunda guerra mundial. Estas empresas, depois da guerra, foram convidadas a restituir de várias formas, os seus lucros à comunidade. De tudo isso hoje não se fala, até se apresenta como uma grande conquista pedir, talvez, a tributação de 15% às grandes multinacionais, quando 15% é um terço de quanto pagam as empresas, na Itália, globalmente, sobre o próprio rendimento, sobre o próprio lucro. Isso porque não somos capazes, hoje, de gerir a globalização, de um ponto de vista fiscal, porque claramente, desde sempre todo o sistema fiscal é baseado sobre os bens ou sobre os impostos indiretos, ou sobre os estados nacionais, os impostos diretos, com uma economia globalizada que coloca as sedes (das empresas) onde quer e que transfere os capitais para onde quer, porque ainda existem paraísos fiscais, claramente, os estados nacionais e tudo o que comporta através da taxação, são ineficazes e sobretudo incapazes de gerir tudo isto.
Temos que inventar alguma coisa, por agora é demasiadamente pouco e tímido este pedir aos super ricos para contribir, mas se o pacto fiscal falhar - o pacto fiscal é o centro da democracia, não é uma questão econômica ou fiscal - porque se os mais pobres não veem mais boas razões para estar juntos com os mais ricos, riquissímos, porque são muitos os mais pobres, são muito mais do que os riquissimos - se não existirem mais vantagens indiretas de viver, de conviver com pessoas mais abastadas, demasiadamente abastadas, pois claramente a riqueza financeira enriquece ainda mais os ricos, e esta é a característica do séc. XXI - evidentemente que a pergunta que se coloca é: "porque temos que continuar a viver no mesmo país, com as mesmas regras, com o mesmo pacto social?"
O pacto social tem uma necessidade extrema de equidade, tem um necessidade extrema de percepção de equidade, de entender tudo bem, existem estas pessoas ricas, mas elas contribuem também para com a minha condição, ou seja, há uma espécie de reciprocidade na base de um qualquer pacto, por sua natureza.
Portanto, se se perde este sentido de justiça, que a riqueza enorme dos riquissimos não tem qualquer efeito sobre os mais pobres, porque esses têm sedes (das empresas) e vivem... são invisíveis, colocam as suas empresas em lugares inalcançáveis, ninguém mais os vê, e o impacto sobre os mais pobres ou sobre a classe média é muito baixo. Isso quer dizer que o que entra em crise não é a economia, mas a democracia.
A democracia pode suportar a desigualdade até um certo limite, e não mais. Porque se a desigualdade se torna excessiva, como vimos no séc. XX, isto é, quando um país perde o sentido da riqueza, isto é, quando os pobres não entendem mais o sentido dos ricos, porque os vêm apenas como uns exploradores, percebe-se que a situação se torna muito séria, muito grave.
Eis porque essa pandemia deve simplesmente nos convidar a refletir sobre a desigualdade, sobre o tipo de mundo que construímos. Esse foi como um teste de resistência para as nossas democracias, que aguentaram bem, aguentaram melhor as democracias participativas, um pouco menos as democracias de mercado. Portanto, devemos refletir muito sobre isto, sobre o papel do estado e da economia, sobre o público, sobre os bens comuns, sobre os bens públicos e sobre esse grande tema da desigualdade, porque é o outro nome da democracia".