Neste artigo de opinião, Rodolfo Leibholz, um dos primeiros empresários da Economia de Comunhão no Brasil, aborda a relação entre a edc e a nova revolução industrial
fonte: edc Brasil
Por Rodolfo Leibholz
«A nova forma de fazer negócios vai se transferir do conceito de mercado independente para redes. E isso muda o relacionamento entre vendedores e compradores que se consideram adversários, como se vê em muitos casos hoje, para uma relaçõa colaborativa entre fornecedores e usuários dos bens produzidos; e interesses individuais para compartilhados, como é o caso da energia solar, que para funcionar deve estar em rede».
Essas transformações atingem não somente as indústrias, mas a sociedade como um todo e mudam nossa maneira de ver o mundo, a economia e de viver em sociedade.
De uma maneira geral, as revoluções industriais possuem etapas bem definidas, e podemos caracterizá-las como:
A primeira revolução industrial. Marcada pelo uso do carvão que substituiu a lenha como energia e deu origem à máquina a vapor, por volta de 1860. Esse novo meio de energia fomentou transportes como o trem, a mecanização da imprensa, a produção têxtil e a produção mecanizada como um todo. O novo ponto de encontro da comunidade se tornou a fábrica, surgindo uma nova classe média formada pelos operários. As cidades começaram a crescer rapidamente e as economias a se desenvolverem.
A segunda Revolução industrial. Novamente marcada pela mudança de fonte de energia, no início do século XX: o Petróleo. Com o motor à gasolina surgem novos tipos de transporte, como o carro e o avião. Chega o telefone como novo meio de comunicação. As ciências evoluíram e novos métodos e princípios científicos passaram a ser implantados nas fabricas recém-construídas. Começaram as linhas de montagem para produção em massa. O exemplo mais expressivo foi a produção do FORD modelo T, implantado por Henry Ford em 1908[1]. Teve início o deslocamento da população para os grandes centros onde as oportunidades eram maiores. Com essas descobertas da segunda revolução, surgiram as estradas pavimentadas na maior parte no mundo.
A terceira Revolução Industrial. Caracterizou-se pela revolução digital, que começou em torno de 1950 com as pesquisas na área de microeletrônica. Como exemplo, mudou o sistema de transmissão da TV do analógico para o digital. Teve início o fenômeno da “Transformação Digital” no qual as empresas, e quem trabalha com informação, buscam a melhoria de processos operacionais e a criação de novos negócios através de uma tecnologia nova.
A quarta Revolução Industrial. Com origem neste século XXI, se caracteriza pela implantação de inovações tecnológicas já desenvolvidas e a se desenvolver. Esta etapa se caracteriza pela conexão, pela convergência e sinergia entre as tecnologias. Está acontecendo uma ligação entre o mundo digital e o mundo real das coisas, o que quer dizer que as tecnologias estão saindo do mundo teórico e se efetivando no mundo real[2]. A incorporação dessas tecnologias vai mudar o mundo assim como o conhecemos no âmbito das indústrias, mas também no econômico, social e político.
Novamente temos uma nova plataforma tecnológica de energia – agora sustentável -, de logística – com um novo tipo de mobilidade – e de um novo tipo de comunicação – que é a internet.
Para entendermos como essa plataforma tecnológica tem um potencial enorme de mudança, podemos citar que num futuro próximo teremos milhões de casas gerando eletricidade com células fotovoltaicas em seus telhados. Essas casas, com microgeração de energia, precisam estar conectadas a uma rede inteligente (internet das coisas) para distribuir a energia que sobra e receber quando é necessário. Isso é feito em uma dimensão continental como é o caso da Europa inteira, a qual já está se planejando para funcionar em rede.
O que dizemos é que, uma nova consciência nasce deste fato: o conceito de que somos ligados a uma grande rede e que cada um de nós constitui um de seus nós.
No caso da energia, é necessário o compartilhamento com todos para que o sistema funcione, ou seja, usamos apenas o necessário e o excedente é compartilhado na rede, para que seja distribuído. Da mesma forma, estamos compreendendo que fazemos parte da Biosfera e somos parte de um todo maior, e essa é a grande inovação que acontecerá no âmbito econômico, social e político.
Outro exemplo que podemos citar dessa nova etapa de evolução é o serviço de compartilhamento de carros, que funciona com o uso de múltiplas tecnologias. Nesse caso, o transporte em si é combinado com outras tecnologias e serviços que precisam funcionar integradas como: a tecnologia de informação, localização com GPS, seguros, serviços financeiros de cobrança e outros.
Outro exemplo é o uso compartilhado de brinquedos, no qual você aluga um brinquedo para uma determinada faixa etária e depois devolve. Por exemplo, se alugo um brinquedo para uma criança de 3 a 5 anos quando ela perde o interesse alugo outro para idade adequada. Então, esse brinquedo é compartilhado para muitas crianças.
Esse modelo de negócio vai trazer um novo conceito sobre a propriedade de um brinquedo, carro ou outro bem qualquer. E deve nascer uma nova cultura. Por exemplo, no caso do brinquedo, hoje os pais dizem para os filhos: “você está ganhando este brinquedo, ele é seu e você tem que cuidar dele”. No caso do novo conceito, o pai vai dizer: “este brinquedo é para você brincar e precisa tomar cuidado com ele, porque outras crianças vão brincar depois que você não tiver mais interesse”.
Um desenvolvimento dessa nova onda é o compartilhamento de dados que se está fazendo de forma exponencial como informações, vídeos, redes sociais, sensores e temos uma lista enorme de aplicações. Quanto maior o número de dados maior vai ser a eficiência do que chamamos de “inteligência artificial”, porque ela usa esses dados para atingir seus objetivos. E as novas tecnologias de energia, mais baratas e sustentáveis, vão libertar a nossa sociedade da dependência do petróleo como acontece na atualidade. E principalmente, o conceito de compartilhamento vai ser a nova onda da revolução que se iniciou neste começo do século XXI.
E qual a relação entre a Economia de Comunhão e a nova Revolução Industrial?
A Economia de Comunhão desperta a consciência do novo modelo organizacional para quase todas as atividades econômicas e sociais que estão se desenvolvendo, especialmente da natureza distribuída e colaborativa das fontes de energia renovável. A nova forma de fazer negócios vai se transferir do conceito de mercado independente para redes. E isso muda o relacionamento entre vendedores e compradores que se consideram adversários, como se vê em muitos casos hoje, para uma relação colaborativa entre fornecedores e usuários dos bens produzidos; e interesses individuais para compartilhados, como é o caso da energia solar, que para funcionar deve estar em rede.
O foco do capitalismo está na busca de bens materiais próprios para atingir a independência e a autonomia, para ter qualidade de vida. A nova visão do futuro para qualidade de vida está baseada na colaboração, na conectividade e na interdependência. Está nascendo a consciência de que a verdadeira felicidade não está na independência dos outros e no acúmulo de bens, mas na participação e na comunhão, e a verdadeira riqueza está na participação e nos vínculos sociais.
O propósito da Economia de Comunhão é que todos tenham participação ativa na sociedade sem deixar ninguém para trás. Também reconhece que o conforto que o valor econômico traz é bom e necessário, mas deve estar em equilíbrio com os valores da vida[3].
Mas qual é a diferença?
A diferença que a nova revolução está mostrando que as pessoas são seres sociais, o que significa que está desenvolvendo a consciência de que não somos ilhas isoladas, mas vivemos e estamos com os outros. Isso traz qualidade de vida porque quando participamos de um grupo social, ele ajuda a nos proteger, sobreviver e prover com mais segurança a nossa subsistência.
A diferença que a Economia de Comunhão traz é a concepção de que somos mais do que seres sociais e a proposta é formar uma comunidade. O social nos mantém unidos, pautados em regras aceitas por todos, como é o caso da constituição de uma nação no regime democrático. O comunitário sustenta as pessoas unidas em torno de valores como respeito, doação, solidariedade, serviço, dentre outros; abre o horizonte das pessoas para terem em comum os valores.
A consciência que nos leva a viver em sociedade vem do instinto gregário[4] ou seja de vivermos juntos, mas é a natureza espiritual que nos leva a viver em comum unidade. Esta é a diferença e o propósito da Economia de Comunhão: despertar a consciência de que além da convivência social devemos viver em comunidade.
Um sonho vivido
Há uma profecia Bíblica que diz que vai haver uma transformação social e surgirá “um novo Céu e uma nova Terra”[5]. Entendi que o novo Céu não é um sonho, mas uma realidade vivida interiormente e a nova Terra é a manifestação exterior dessa realidade, mas que vem sempre de uma realidade interior. Então, a grande revolução econômica, social e política que a nova tecnologia irá trazer só irá melhorar a qualidade de vida se for acompanhada de um despertar de uma consciência pessoal e coletiva. Na nossa experiência de Economia de Comunhão o que realizamos muda com o momento da história (uma nova Terra), mas a consciência que nos levou a fazer a experiência (um novo Céu) deve sempre continuar viva e inspirando, a cada momento, a ação a ser feita.
[1] A data do modelo Ford T foi 1 de outubro de 1908
[2] Aqui estamos nos referindo a aplicação da inteligência artificial.
[3] No Movimento da Economia de Comunhão chamamos de “bens relacionais”
[4] Instinto gregário é o instinto que nos leva a viver juntos.
[5] Apocalipse 21:1 e Isaias 65:17