Especialistas brasileiros mostram estratégias para contornar a crise ambiental e transformar as metas da vigésima sétima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 27) em realidade.
Fonte: site UWP
Por Gustavo Monteiro
Lançado em 2022, o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) reforçou, mais uma vez, o que já se sabe sobre a situação do clima: os efeitos das mudanças climáticas já existem e já causam danos em diversos pontos do planeta; os países desenvolvidos continuam poluindo e contribuindo para o agravamento da crise ambiental de uma maneira proporcionalmente muito maior do que os países em desenvolvimento, mas é nesses últimos que os efeitos das mudanças climáticas são mais catastróficos, com secas, alagamentos e desastres ambientais. A dívida com a natureza está se tornando muito alta, e a conta está chegando na casa de quem não tem nada a ver com isso.
Ancorada nos últimos dados científicos do IPCC, a vigésima sétima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 27) reuniu líderes do mundo inteiro para fazer um alerta: a mudança climática é real e se quisermos realmente alcançar a meta de neutralizar a emissão de carbono até 2050 e evitar o aumento de 1,5 grau na temperatura da Terra, precisamos tomar medidas mais eficientes, com decisões mais drásticas. Isso, certamente, envolve uma mudança cultural que precisa acontecer em todos os campos da sociedade: da maneira como produzimos aos hábitos de consumo, do estilo de vida à consciência política na eleição de candidatos e na elaboração de políticas públicas.
Pensando nisso, o United World Project, através do Instituto Agir Ambiental, convidou especialistas do país que contém a maior biodiversidade do mundo, com mais de 116.000 espécies animais e mais de 46.000 espécies vegetais conhecidas. Foi também ali, no Brasil, em que só em 2022, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 11.568,00 km² de floresta amazônica desapareceram por conta do desmatamento ilegal.
É partindo deste lugar, o Brasil, que os especialistas responderam à seguinte pergunta: o que é preciso para adotar uma cultura sustentável capaz de permear a sociedade como um todo e transformar as metas discutidas na COP 27 em realidade?
Políticas públicas e diálogo participativo
Para Evandro Branco, doutor em Ciências Ambientais e servidor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão que, dentre outras atribuições, é responsável pelo monitoramento oficial do desmatamento da vegetação nativa brasileira, para mudar o clima do planeta é preciso “mudar o clima das instituições”. Segundo ele, um governo que se mostra responsável e favorável ao debate ambiental é capaz de influenciar a esfera pública como um todo.
“A política externa é importante, mas é interessante também perceber como ela pode se capilarizar e penetrar todas as áreas da sociedade”, afirma Branco. Para ele, a posse do atual presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, logo após a sua participação na COP 27, por si só, já pode mudar o clima institucional:
“Alterando esse clima, a nossa expectativa é que isso desça para outros órgãos administrativos (estadual e municipal), que chegue nas cidades e até em estados e municípios não alinhados com essa pauta, porque o ambiente institucional federal modula muito as outras instâncias de poder público”.
De acordo com Branco, eleger políticos favoráveis aos temas ligados à ecologia e sustentabilidade, e cobrar políticas públicas através da participação ativa enquanto cidadãos pode ser uma boa forma de contribuir para o desenvolvimento sustentável do planeta.
Educação ambiental dentro e fora da escola
Outra estratégia para a concretização das metas e dos acordos discutidos durante a COP é investir na educação ambiental. “A educação ambiental tem que ser capaz de chegar a todos os ambientes da sociedade”, defende Andrea Pupo, mestre em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável, educadora, e membro integrante do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).
Para Pupo, a educação ambiental pode ser mais efetiva se for apresentada como uma experiência, que pode ser feita dentro e fora da sala de aula, mas sempre de maneira crítica e participativa: “O aluno experimenta, conhece, põe a mão, vivencia cada momento, e aprende a respeitar o meio ambiente fazendo as coisas, não apenas assistindo uma palestra ou um vídeo”, afirma a educadora.
Para Andrea, a educação ambiental tem que ser capaz de chegar a todos os ambientes da sociedade. Estar nos negócios, no comércio, nos serviços. E isso não significa que, para isso, tenha de deixar de ser formal ou de ser oferecida nas escolas. “A educação ambiental precisa furar a bolha da escola, esse estigma de que as coisas só podem acontecer ali. Não. A sociedade precisa ser educada ambientalmente. A educação ambiental precisa estar no supermercado, na igreja, no templo, na indústria, nos shopping centers, na praça, em todos os lugares. Todos os lugares precisam educar ambientalmente as pessoas”.
Educar para novas estratégias adaptativas
E educação ambiental não se limita a estratégias esporádicas. “Não é apenas abraçar árvores uma vez por ano. É preciso pensar a educação ambiental voltada para as capacidades adaptativas. Ou seja: como os territórios previnem os impactos das mudanças climáticas, como podem enfrentá-los e não deixar que eles se amplifiquem”, explica Evandro Branco, do INPE. “Temos que pensar como cada território pode prevenir e se proteger dos efeitos catastróficos. Para isso tem uma série de iniciativas possíveis, como estruturas de monitoramento e a preparação para desastres naturais. É preciso se preparar para enchentes, alagamentos, deslizamentos, seca. Como que a gente prepara os territórios para isso?”
Perceber que, na natureza, tudo está conectado
O gestor ambiental Rafael Girão, do Agir Ambiental, defende que um dos desafios da implementação de uma nova cultura mais ecológica é perceber a sustentabilidade como algo que envolve todas as dimensões do planeta, incluindo a vida humana e as suas dinâmicas. “Um desafio que a gente tem é voltar a compreender o meio ambiente como algo integrado”.
Para ele, é impossível decidir focar em um só aspecto ambiental e desconsiderar todos os outros. “Para pensar na revitalização hídrica de um território, por exemplo, tenho que garantir que a água possa infiltrar no solo, e que não seja contaminada. Mas é preciso pensar também nas pessoas que estão ali e que estão com fome, que precisam gerar algum tipo de renda. É preciso pensar na fauna, na polinização das plantas da região, do equilíbrio da vegetação, em evitar a erosão do solo”.
Pensar a natureza e a sociedade como parte de um único sistema
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e as suas respectivas metas são um bom raio-x dos desafios socioambientais do planeta. E eles já estão sendo usados como meta e parâmetro de análise de territórios em todo o mundo, por parte de organizações públicas e privadas. Dentro dos ODS, ao contrário do que se imagina, existem questões que, aparentemente, não estariam diretamente relacionadas ao clima e à biodiversidade, como a igualdade de gênero e de oportunidades entre homens e mulheres, por exemplo. Apesar de parecerem desconexos, os temas sociais estão dentro do meio ambiente, porque não existe nada no mundo que, feito de uma maneira excludente, não impacte uma realidade maior. “Os ODS trazem esse alerta que temos um mundo só e que está tudo interligado”, reforça Rafael.
Valorizar iniciativas locais
Por último, Rafael Girão dá uma dica. Para as questões socioambientais o caminho é valorizar o local, privilegiar produtores locais, garantir que o lixo seja recolhido da melhor forma, pensar em reciclagem do lixo e em compostagem para o descarte de orgânicos. “No local, você minimiza outros tipos de impacto. É preciso valorizar alimentos locais, que não precisam de um longo transporte, o que acarreta uma menor dependência de outras regiões do país [e de outros países], e uma menor dependência também da variação do custo final do produto dependendo da alta do valor dos combustíveis [e de outros fatores como guerras e conflitos]. Do lado de casa pode ter alguém que produz alimento, e pode-se sempre fazer uma horta comunitária”.
E você, como acha que podemos tornar a nossa “casa comum” um lugar melhor também do ponto de vista ambiental?