A história de Jean Santos, empreendedor social que vive pela dignidade e pelo protagonismo de crianças, adolescentes e jovens de comunidades baianas.
por Daniel Fassa
publicado na revista Cidade Nova em Set/2021
«Eu sou Jean, esposo, pai de cinco filhos biológicos e alguns filhos da comunidade. Gente e agente de transformação social». Sempre que é convidado a se apresentar, o pedagogo Jean Costa Santos, 39, repete essas palavras. Elas sintetizam a estrada de doação total que ele decidiu trilhar para que meninos e meninas em situação de vulnerabilidade tenham as oportunidades que um dia ele recebeu.
Nascido e criado na comunidade do Beiru/Tancredo Neves, em Salvador, Jean conta que um projeto de que participou na adolescência mudou sua vida. «No projeto Ceifar – Centro de Integração Familiar - o meu desejo e minha vocação de ajudar o próximo se tornaram reais, porque me alimentei de maneira espiritual, social e afetiva. E ali eu compreendi que, por meio da prática educativa, poderia salvar vidas, literalmente».
Hoje, Jean se define como um empreendedor social: fundador da Siga-me, empresa de consultoria socioeducativa, ele atua como assessor sociopedagógico do programa Conexão Vida, do Centro Social Dom Lucas Moreira Neves, que atende crianças e adolescentes de 45 cidades baianas.
Mas o trabalho não termina ao chegar em casa:
«As crianças, os jovens e os adolescentes que moram no meu bairro não têm direito a brincar de bola, não têm um prato de comida digno, não têm acesso à escola. Então, eu quero brigar para ter espaços afirmativos de políticas públicas de saúde, de lazer».
Por isso, ao lado da esposa, Helena Heloísa, Jean não se contenta em garantir o bem-estar dos cinco filhos, três meninos e duas meninas entre 3 e 16 anos de idade. «Nós aprendemos dois princípios na vida: o primeiro é que precisamos de uma comunidade para educar uma população, ninguém se educa sozinho. E o outro princípio é que nós precisamos viver em comunhão. Não existe descanso no trabalho pedagógico, ora eu sou profissional, ora eu sou um pai que me profissionalizei para educar os filhos da comunidade».
No Beiru, Jean lidera, junto a outros voluntários da Associação Mosaico de Amor, diversas iniciativas. Uma delas é o Futgelho, que consiste em reunir jovens da comunidade para jogar futebol e meditar o evangelho.
«Não sei jogar bola, não entendo, mas uma coisa que eu entendi é que todo jovem em nosso território quer ser o camisa 10. E aí eu disse, poxa, se eu não posso ser camisa 10 jogando bola, eu vou ser o camisa 10 estudando. Daí que veio a minha vontade de juntar futebol e evangelho. E aqui estudar o evangelho não é uma questão dogmática ou moralista. O evangelho aqui é essa boa notícia: amar o próximo, respeitar, viver a cultura da paz, sendo o camisa 10 de uma seleção, a seleção da cultura da paz, a seleção da alegria de fazer um gol, mas também de perder o gol», conta Jean.
Antes da pandemia, os encontros ocorriam duas vezes por semana; atualmente, apenas às segundas-feiras, às 6h da manhã. Toda semana, em média 70 adolescentes e jovens participam da atividade, que inclui o empenho de todos na manutenção do local utilizado e a arrecadação de alimentos para quem mais precisa.
Outro projeto em que Jean atua voluntariamente é o Mobilização Musical, que promove oficinas de música para cerca de 275 meninos e meninas, além de disponibilizar uma “instrumentoteca” a toda a comunidade.
TRISTEZAS E ALEGRIAS
Em todo esse trabalho, as dificuldades não faltam, a começar pelo preconceito e pela falta de reconhecimento: «nosso principal desafio, por incrível que pareça, é ser visto como gente e agente de transformação. As pessoas desconfiam, as pessoas não dão credibilidade, pensam que tem envolvimento partidário, pensam que tem envolvimento com o tráfico, esses pensamentos humanos...»
Outros obstáculos apontados por Jean são a falta de apoio do poder público, o tráfico de drogas, a violência - que atinge principalmente os rapazes negros -, a evasão escolar, o desemprego, a prostituição, a promiscuidade e a desestruturação familiar. «São desafios latentes que a gente observa diariamente em nosso cotidiano», lamenta Jean.
Mas também não faltam alegrias: «um dos grandes resultados é a convivência. Infelizmente, o tráfico, a vulnerabilidade separam uma rua A de uma rua B. Com o Futgelho, com a prática esportiva, a atividade musical ou o círculo de convivência juvenil, ou outra atividade nossa, a gente consegue dialogar, andar de um canto para o outro, porque assim como existe a polarização política, existe também a briga de gangue. O nosso lado não é nem lado A nem lado B, o nosso lado é a conquista de poder ser livre dentro desse contexto».
O empreendedor social também destaca a abertura de horizontes e as oportunidades de protagonismo que todas essas ações proporcionam aos jovens. «É essa altivez de poder dizer agora é a minha vez, com responsabilidade, com fraternidade», explica Jean, ressaltando a importância do apoio da Economia de Comunhão nos últimos cinco anos.
«A gente pode co-aprender outras práticas de relações, por meio de práticas empresariais, por meio de atividades socioeducativas, por meio do bem-estar», celebra.
Finalmente, ele destaca a mudança de mentalidade que envolve inclusive os familiares dos meninos e das meninas participantes: “mulheres saindo de casa para trabalhar, homens olhando para a família como seu maior bem na sociedade, empresários querendo compreender que fenômeno é esse que nós vivemos, práticas saudáveis de bem-estar”.
E assim vai se formando, nas palavras de Jean, o «efeito dominó do bem», proporcionando a outros jovens seguirem pela estrada da dignidade e da doação. É o caso de Gabriel Costa Santos Reis, 21, que fez parte da primeira geração de participantes do Futgelho, por volta de 2010/2011, e hoje atua na organização do projeto. Ele conta que o que sempre chamou sua atenção foi a possibilidade de estar junto de “jovens amigos, colegas, participando, para agrupar, para estarmos em comunhão”.
Jean e sua família vivem para que cada vez mais histórias assim se repitam. Sempre que pode, lança o convite para que outras pessoas se unam à missão: «não estou dizendo que a gente tem resposta para tudo, que a gente é um superpai ou uma supermãe, um super-homem ou uma mulher maravilha. Mas dentro do nosso contexto, a corresponsabilidade de implantar a paz, viver a paz, é latente, dinâmica, diária. Por isso que a gente não pode descansar»