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A festa da gratuidade

A gratuidade é uma forma de agir e um estilo de vida que consiste em se aproximar dos outros, de si mesmo, da natureza, de Deus e das coisas, não para usá-las de forma útil ao nosso proveito, mas para reconhecê-las em sua alteridade, respeitá-las e servi-las.

por Luigino Bruni

publicado no Il Messaggero di Sant'Antonio em 22/12/2020

Este Natal tão diferente dos outros e tão semelhante aos Natais de guerra e fome que nossos avós conheciam tão bem, é também uma excelente oportunidade para refletir sobre a realidade mais associada ao Natal: a família. A família é muitas coisas, mas é o lugar crucial onde aprendemos - ao longo das nossas vidas e de uma forma muito especial quando crianças - uma arte fundamental, a arte que está na base de todas as artes e profissões da vida adulta: a arte da gratuidade. Aprendendo esta arte essencial, aprendemos a trabalhar, pois não há trabalho sem a gratuidade.

Mas o que é realmente a gratuidade? A nossa era de consumismo e finanças desgastou o significado da palavra gratuidade. Confundiu-a com o grátis, colocou-a em contraposição ao contrato e ao dever, associou-a aos descontos de fim de estação, gadgets e uma meia hora extra de trabalho não remunerado. Na realidade a gratuidade é charis, graça, mas é também ágape, aquele amor que supera e completa o eros e a amizade.  

Gratuidade, essa gratuidade, então, é uma forma de agir e um estilo de vida que consiste em se aproximar dos outros, de si mesmo, da natureza, de Deus e das coisas, não para usá-las de forma útil ao nosso proveito, mas para reconhecê-las em sua alteridade, respeitá-las e servi-las. A gratuidade nos salva da tendência predatória que está em cada pessoa, que distingue a oração da magia e que nos salva do narcisismo, a grande doença de massa do nosso tempo.

Entende-se, então, porque a família é o lugar predominante, embora não o único, onde essa gratuidade é desenvolvida e preservada. Dizer gratuidade significa, portanto, reconhecer que um comportamento deve ser feito porque é bom, e não por sua recompensa ou sanção. Por outro lado, a cultura econômica capitalista dominante e a sua teoria e práxis econômica estão desenvolvendo neste âmbito uma revolução silenciosa, mas de significado épico: o dinheiro se tornou o principal ou o único «porquê» do trabalho, de sua qualidade e quantidade.

Essa é a cultura, que podemos chamar a cultura do incentivo, que está se difundindo cada vez mais até mesmo nos serviços de saúde e escolas, onde se tornou normal pensar que um professor ou um médico só se comporta como um bom trabalhador, se e na medida em que forem adequadamente remunerados e controlados.

Tal verdade ideologia está produzindo o triste resultado de aproximar cada vez mais o trabalho humano da servidão ou da escravidão antiga, pois quem paga não está apenas comprando os serviços, mas também as motivações das pessoas e, portanto, a sua liberdade. 

Se a família quer, e deve, cultivar a arte da gratuidade, deve ter muito cuidado para não introduzir em casa a lógica que está hoje em vigor do lado de fora. Terrivel será, por exemplo, usar a lógica dos incentivos dentro da dinâmica familiar. O dinheiro na família, especialmente em relação a crianças e jovens, deve ser pouco usado, e se for usado, deve ser usado como recompensa ou reconhecimento, e nunca como preço ou como incentivo.

Uma das incumbências da família é justamente formar nas pessoas a ética de um trabalho bem feito. A cama tem que ser bem arrumada, porque tem que ser bem feita, e não pela gorjeta; o dever de casa tem que ser bem feito, porque tem que ser bem feito e pronto, por razões internas ao estudo, e se hoje eu aprender a arte do «e pronto», amanhã eu serei capaz de fazer um bom trabalho, independetemente se alguém me vê ou me encoraja ou se me castiga.

Por outro lado, se, mesmo em casa, o dinheiro se torna o «porquê» de fazermos e não fazermos as tarefas e os afazeres, será difícil para as crianças se tornarem bons trabalhadores e experimentarem a liberdade profunda e verdadeira que vem da gratuidade. Feliz Natal e feliz celebração da gratuidade!


Crédito da Foto: © Giuliano Dinon / Arquivo MSA

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