“A economia de comunhão entende que não se trata somente de dar o peixe, e nem apenas de ensinar a pescar, mas, além fazer tudo isso, considerando cada circunstância, também celebrar a pesca, conjuntamente”. (Luigino Bruni, economista, estudioso e pesquisador – italiano)
Por Maria Clézia (Dima) Pinto.
fonte: edc Brasil
Vi concretizada essa frase ao vivenciar dois dias (27 e 28 de outubro) em Palhoça (SC)-Brasil. Estava com os empresários da Família Steinbach: Francisco (Empresa Inovar), Diogo (Empresa Hogar) e Bruno (Empresa Unità) e suas respectivas famílias, colaboradores das suas respectivas empresas que compõem a Rede edc Brasil.
Era um dia muito especial. O dia do lançamento do Projeto Alicerce que transforma no Bairro Frei Damião. Projeto que germinou, cresceu e amadureceu durante vários anos. A comunidade de Frei Damião (área de invasão, hoje com 14 mil habitantes), ficou no limbo da história por algum tempo porque nenhum dos dois municípios (Palhoça e S. José) desejavam “adotá-lo” porque significava assumir um problema, uma vez que é uma área de alta vulnerabilidade, presente à pobreza com todas as suas consequências: exclusão, violência, droga etc.
Em 1991, exatamente aqui no Brasil, Chiara Lubich liderança civil e religiosa, ativista da fraternidade universal, diante do desconforto que ela sentiu ao tocar na pobreza de muitos e ao constatar a desigualdade social, desencadeou um Movimento Global chamado – Economia de Comunhão.
Passaram-se 32 anos. Para os membros que hoje compõem a Rede Empreendedora edc, o sentimento e a ação consequente continuam sendo os mesmos. O que distingue as lideranças empreendedoras da Economia de Comunhão é o anseio pessoal e concreto de fazer algo pelas pessoas que suportam a pobreza.
Ultimamente, reli um texto de um membro ativo das novas economias, Maria Helena Faller que dizia: “Não é uma questão ingênua. Sabemos que a erradicação da pobreza é um objetivo de longuíssimo prazo e está a décadas ou séculos de distância. Mas precisamos trabalhar com uma perspectiva”.
E ali, naqueles dois dias de imersão em Palhoça (SC), pude vislumbrar essa perspectiva, em ação: O Projeto Alicerce que Transforma não considera apenas a oferta de um curso como uma mera qualificação profissional a fim de atender uma demanda latente de mão-de-obra para a indústria da construção civil, tão urgente ali naquele território, e também não leva em conta, somente, a possibilidade de geração de renda para pessoas necessitadas de recursos financeiros, mas, coloca a pessoa humana, no centro da sua atenção, exatamente, como propõe um dos princípios basilares da Economia de Comunhão.
E o incrível disso tudo é que, ao ser lançado o Projeto, nessa sua primeira versão, somente mulheres (de 25 a 41 anos), da comunidade Frei Damião, demonstraram interesse e se inscreveram no percurso formativo de quatro encontros (aos sábados) com os módulos de Saúde (em geral) e Segurança do Trabalho, O Ingresso no Mercado de Trabalho e Direitos Trabalhistas, Noções Básicas da Construção Civil (e motivação para trabalhar nesse campo) , Visita à Obra e a cerimônia de certificação e coquetel que acontecerão no próximo dia 24.
Sim, as empresas conectadas ao movimento edc esforçam-se e comprometem-se, em vista da superação da pobreza e da solidificação de um novo estilo de vida, com a disseminação de uma cultura de comunhão, e sustentam projetos de superação de situações de vulnerabilidade econômica. Além disso, procuram meios para humanizar as práticas de mercado. O conceito é que uma nova cultura fundamentada em um novo jeito de descobrir e conviver com o (a) outro (a) torne-se o alicerce de novas relações com todos e todas: colaboradores, funcionários, clientes, fornecedores, parceiros e concorrentes.
Pois bem, por causa desse novo jeito de enxergar o (a) outro (a) e para humanizar as práticas do mercado é que o primeiro módulo do percurso formativo desenvolvido pela Hogar, Unità e Inovar, estrategicamente, foi um encontro de sensibilização sobre a importância do florescimento humano.
E eu recebi um enorme presente: a oportunidade de facilitar esse processo.
Era um dia de chuva intensa. Condição pouco favorável para se levantar da cama, em um sábado úmido, sem sol. Mas estavam lá. Eu me vi diante de mulheres conscientes, ávidas de vida e, embora desconfiadas, porque não sabiam o que as esperava, se mostraram abertas para as atividades propostas. Mulheres que consideram que “progredir é a busca dos próprios sonhos”, que declararam o desejo de “adquirir conhecimento profissional para trabalhar no ramo da construção civil”, de “buscar capacitação para o mercado de trabalho” de “aprender uma nova profissão”, de “procurar aperfeiçoamento e estar atenta às oportunidades”.
Lembrei também que em 2017, em um encontro histórico com os líderes globais da Economia de Comunhão, o Papa Francisco alertou que “Se quiser ser fiel ao seu carisma, a Economia de Comunhão não deve apenas curar as vítimas, mas também construir um sistema no qual haja cada vez menos vítimas, onde, na medida do possível, elas deixem de existir”.
E é a estrutura que se pode verificar nos meandros desse Projeto: curar as vítimas, certamente, mas conceder instrumentos para que as próprias pessoas caminhem com suas próprias pernas, ampliando, continuadamente, essa ação para que exista cada vez menos vítimas.
“É simples doar uma parte dos lucros, sem abraçar e tocar as pessoas que recebem essas ‘migalhas’”, continuou o Papa no fim do seu discurso de 2017, dirigindo-se aos aderentes da edc: “O melhor e o mais concreto modo para não fazer do dinheiro um ídolo é compartilhá-lo, compartilhá-lo com os outros, especialmente com os pobres…”
Sim, os empresários, suas esposas, seus filhos, suas equipes estavam lá. Não participaram somente da abertura com falas ensaiadas e partiram para aproveitar o sábado com seus privilégios e comodidades. Estavam lá, abraçando e tocando as pessoas, chamando-as pelo nome, almoçando na mesma mesa, participando de cada atividade lúdica proposta, desenhando, modelando, pintando, mas, sobretudo, expondo as próprias fragilidades quando os exercícios básicos de autoconhecimento sugeriam.
Não se tratava de uma postura de filantropia, de destinação de uma parte do lucro para oferecer um percurso de qualificação profissional, não se via pessoas que têm e doam e outros alguéns invisíveis e anônimos que recebem. A imersão se constituiu como um tempo de construção, um espaço de comunhão = diálogo + confiança + reciprocidade. E, nesse “container” de confiança, as mulheres da comunidade, as colaboradoras das empresas os empresários e suas esposas e eu pudemos, livremente, ser e revelar quem, de fato, somos. Todos e todas demos e recebemos e saímos mais ricos porque experimentamos a reciprocidade como uma prática
Sim, um dia de florescimento humano, pleno de muitas emoções, de leveza, de profundidade, de brincadeiras e de silêncios. De afetos. Um dia no tempo AION (*) Um dia para cuidar do “solo interior”, de plantar sementes. Um ambiente de comunhão espiritual dos corações que se tornou mais completa porque comunhão de bens, de talentos e também de lucros.
Um dia para receber o peixe, aprender a pescar, mas, sobretudo celebrar a pesca, juntos e juntas. Um dia lindo.
(*) AION significa o tempo não linear, ilimitado. É o tempo do sentido. O tempo dos grandes significados, o tempo qualificado, o tempo da intensidade. E, nesse fluir intenso, perpetua-se a sabedoria sempre viva, pulsa o Amor, refaz-se e floresce o humano, a Vida! A autora é também sócia-fundadora da AION florescimento humano – @aion.fh